Índia tem pior dia da pandemia e sistema de saúde entra em colapso
País registrou 14% de todos os óbitos e 35% dos novos infectados do mundo nas últimas 24 h. Nova variante fez o número de casos explodir, e faltam leitos de hospital, remédios e oxigênio.
A Índia registrou nesta quarta-feira (21) o seu pior dia da pandemia, com recorde de mortes e casos confirmados de Covid-19: foram mais de 2 mil óbitos e quase 300 mil infectados nas últimas 24 horas.
O segundo país mais populoso do mundo, com 1,3 bilhão de habitantes, sofre com uma nova variante, que fez explodir o número de casos, e o sistema de saúde está começando a entrar em colapso.
O governo se recusa a adotar um lockdown nacional, mesmo com hospitais lotados e a falta de leitos, de remédios e de oxigênio. E cemitérios e crematórios não conseguem atender à quantidade de mortos, que é superior aos números oficiais de vítimas do vírus.
Nesta reportagem você vai ver:
- 22 pacientes morrem em hospital após falta de oxigênio
- País registra 14% das mortes e 35% dos novos infectados do mundo
- Governo indiano chegou a falar em 'fase final da pandemia' em março
- Cemitérios e crematórios não conseguem atender à demanda
- Estados e cidades adotam, sozinhos, medidas de restrição
Nesta quarta-feira (21), ao menos 22 pacientes morreram em um hospital na cidade de Nashik, em Maharashtra, após uma interrupção no fornecimento de oxigênio. O estado onde fica a "capital financeira" Mumbai é o mais afetado do país.
"Os pacientes que usavam ventiladores no hospital em Nashik morreram", confirmou o ministro da Saúde da região, Rajesh Tope, que culpou um vazamento no tanque de fornecimento de oxigênio pelas mortes.
Oxigênio vaza de tanque em hospital em Nashik, na Índia, onde pacientes com Covid-19 morreram devido à falta do insumo em 21 de abril de 2021 — Foto: ANI via Reuters
Arvind Kejriwal, primeiro-ministro da Nova Délhi, alertou na noite de terça-feira (20) que alguns hospitais da capital indiana têm "apenas algumas horas de oxigênio".
Um hospital recebeu suprimento de oxigênio pouco antes de ficar sem estoque para seus 500 pacientes. "Quase perdemos as esperanças", disse um médico sob condição de anonimato ao "India Today". "Todos nós estávamos em lágrimas quando vimos o navio-tanque de oxigênio chegar".
O ministro da Saúde da cidade, Satyendar Jain, fez um apelo ao governo federal para que "restabeleça a cadeira de fornecimento de oxigênio para evitar uma crise maior".
Governo 'baixou a guarda'
"A demanda de oxigênio aumentou", alertou o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, em um discurso transmitido pela televisão na noite de ontem. "Estamos trabalhando com rapidez e sensibilidade para garantir oxigênio a todos que precisam. Todos estão trabalhando juntos".
Foi o primeiro discurso de Modi desde a explosão da segunda onda de contágios no país. Ele tem se recusado a adotar um lockdown nacional e pediu à população um esforço maior para enfrentar o novo coronavírus.
"A situação estava sob controle há algumas semanas e a segunda onda veio como um furacão", afirmou o premiê, que enfrenta críticas por ter "baixado a guarda" e permitido festivais religiosos e comícios políticos quando as infecções diminuíram.
No final de janeiro e no começo de fevereiro, estava registrando menos de 10 mil novos casos e cerca de 100 óbitos por dia. No início de março, o ministro da Saúde indiano, Harsh Vardhan, chegou a declarar que o país estava na "fase final" da pandemia.
Agora, o governo indiano culpa o desrespeito ao distanciamento social e o não uso de máscaras como causas para o surto. Mas médicos e especialistas apontam também como motivos novas variantes do coronavírus e a complacência do governo.
"O país baixou a guarda muito cedo. As pessoas voltaram a se comportar como antes da pandemia e ninguém advertiu", afirma o virologista T. Jacob John. "A segunda onda está se propagando muito mais rápido que a primeira".
"As lideranças [políticas] em todo o país não transmitiram adequadamente [a mensagem de] que se tratava de uma epidemia que não havia desaparecido”, afirmou K Srinath Reddy, presidente da Fundação de Saúde Pública da Índia, ao jornal britânico "The Guardian".
“A vitória foi declarada prematuramente e esse clima foi espalhado por todo o país, especialmente por políticos que queriam fazer a economia andar e voltar à campanha", diz o especialista. "E isso deu ao vírus a chance de crescer novamente".
Recorde de casos e mortes
O país confirmou 2.023 mortes e 295.158 casos de Covid-19 nas últimas 24 horas, segundo o Ministério da Saúde indiano. Os números de hoje equivalem a 14% de todos os óbitos e 35% de todos os novos infectados registrados no mundo, segundo dados do "Our World in Data".
Oficialmente, a Índia é o segundo país com mais casos confirmados de Covid-19 do mundo (15,6 milhões), atrás apenas dos EUA (31,7 milhões), e o quarto em número de mortes (182 mil), depois de EUA (568 mil), Brasil (378 mil) e México (213 mil).
Mas especialistas acreditem que o número real de mortes seja muito maior do que a contagem oficial.
Várias cidades importantes já estão relatando um número muito maior de cremações e enterros feitos sob os protocolos da Covid-19 do que o número oficial de mortes, segundo trabalhadores de crematórios e cemitérios, a imprensa local e uma revisão dos dados do governo indiano.
Hospitais e crematórios lotados
A explosão de casos tem feito as pessoas lutarem por leitos, remédios e oxigênio nos hospitais e, diante da escassez generalizada, familiares pagam preços exorbitantes no mercado negro.
Diante do colapo, médicos alertam que a falta de insumos inevitavelmente levará a mais mortes.
"A enorme pressão sobre os hospitais e o sistema de saúde agora significará que um bom número de pessoas que teriam se recuperado se tivessem acesso aos serviços hospitalares pode morrer", afirma Gautam I. Menon, professor da Universidade Ashoka.
"Muitos pacientes são enviados de volta para casa porque não temos oxigênio suficiente nem Remdesivir para tratá-los", relata Harish Krishnamashar, médico que trabalha em um hospital em Bangalore.
Paciente com máscara de oxigênio é levado para dentro de hospital para Covid-19 em Ahmedabad, na Índia, nesta quarta (21) — Foto: Amit Dave/Reuters
No estado de Gujarat, onde nasceu o primeiro-ministro indiano, os crematórios estão recebendo muito mais corpos que os relatados nos balanços locais de mortos por Covid-19.
"Dois de nossos fornos não estão operacionais porque suas estruturas estão derretendo e os queimadores de gás estão ficando congestionados, porque os fornos estão sendo utilizados o tempo todo", disse Prashant Kabrawala, diretor do crematório de Surat, a principal cidade de Gujarat.
Medidas de restrição
Em meio à escalada de casos, estados estão adotando medidas de restrição por conta própria. A capital, Nova Délhi, ficará sob bloqueio total até segunda-feira (26), e restrições similares já foram adotadas em outros estados, como Maharashtra, onde fica Mumbai, a "capital financeira" do país.
O país viveu recentemente um período de festivais religiosos, com desrespeito às medidas de restrição. Na semana passada, milhões de devotos desceram às margens do rio Ganges, na cidade de Haridwar, para mergulhar na água durante o festival Kumbh Mela (assista no vídeo abaixo).
O festival religioso indiano que atrai multidões em meio à 2ª onda de Covid
Mesmo com a escalada da pandemia, indianos têm participado também de eventos políticos, casamentos suntuosos e eventos esportivos.